data-filename="retriever" style="width: 100%;">Na terça feira seguinte à tragédia da Boate Kiss, o cartunista Marco Aurélio prestou sua homenagem através do desenho de vários universitários entrando na USP (Universidade de São Pedro). Ali os jovens estavam sendo distribuídos por cursos: alunos da Medicina, aulas com Zerbini; alunos da Arquitetura, aulas com Niemeyer; alunos de Pedagogia, com Paulo Freire. Na fila, um rapaz sorridente mandava seu recado: "mãe, eu estou bem".
Essas palavras foram as mesmas que ouvi ao atender o telefonema de meu filho, na madrugada de 27 de janeiro de 2013. Distante de Santa Maria, eu e meu marido passamos então a viver a mesma angústia que acometeu a todos. Ligamos o rádio e a primeira notícia foi a de que mais de cem corpos haviam sido encontrados empilhados num banheiro da boate.
Passamos então para a rede social descobrindo que já havia sido formada uma corrente na busca do paradeiro dos jovens alunos. Ficava angustiada cada vez que alguém lembrava de um nome e essa pessoa demorava para responder. Tudo o que queríamos ouvir eram as mesmas palavras: "estou bem".
Na busca desesperada por novas informações, nem vimos o tempo passar e, à tarde, ambos tivemos que procurar socorro médico, sentindo os efeitos causados pelo impacto emocional. No hospital da pequena cidade em Santa Catarina, fomos tratados com grande empatia pelo simples fato de sermos moradores de Santa Maria.
Cada um dos santa-marienses tem sua própria história sobre aquele trágico domingo. Momentos que jamais serão esquecidos. Imagens como a da repórter que não conseguiu terminar a reportagem e chorou abraçada com sua entrevistada; as lágrimas da presidente da República; a emoção do bombeiro relatando os fatos; o olhar horrorizado do policial ao relembrar a cena encontrada; os hospitais lotados pelos familiares em busca de informações; o centro desportivo da cidade transformado em capela mortuária e os atos de solidariedade que tomaram conta da cidade.
Recordo da emocionada recepção aos alunos da UNIFRA no reinício das aulas. Do susto ao perceber o nome de um jovem falecido ainda na lista de chamada, eis que tinha realizado antecipadamente a sua matrícula na disciplina. Durante muito tempo tomávamos conhecimento de novas vítimas, falecidas ou feridas, entre familiares de amigos, alunos e colegas.
E as histórias seguem sendo contadas. Ainda nos emocionamos com os depoimentos dos familiares e dos sobreviventes, com os lindos rostos fotografados expostos no centro da cidade, e com a triste fachada do prédio na ladeira da Rua dos Andradas.
A tragédia da Kiss integra nossas próprias histórias de vida. Porém, depois de quase nove anos, as páginas finais desse capítulo começam a ser escritas. Com o julgamento dos réus, seja qual for o seu resultado, virá o amanhecer de uma noite que se eternizou no tempo. Finalmente as palavras "estou bem" talvez possam ser ditas por todos aqueles que protagonizaram uma triste e dolorosa história, que teve como cenário nossa Santa Maria da Boca do Monte.